domingo, 20 de janeiro de 2013

Novo VICE-VERSA abre 2013





Neste 1º Vice-versa de 2013, Gláucia de Souza – escritora – e Carla Pilla – ilustradora – nos contam suas trajetórias e traçam um paralelo entre o trabalho com o texto e com a ilustração.
Gláucia vem do Rio de Janeiro. Reside em Porto Alegre desde 1994. Autora de vários livros e muitas vezes premiada. Carla é ilustradora de livros infantis e infantojuvenis desde 2008.
Viveu por dois anos no Rio de Janeiro e atualmente está de volta a Porto Alegre."




Carla pergunta. Gláucia responde.

Carla -  Quando criança, você já inventava histórias? Quando nasceu a coceirinha de colocar a imaginação no papel?

Gláucia - Na verdade, eu não inventava bem histórias, mas gostava de as ouvir. Eu costumava inventar poemas, porque achava que era uma brincadeira bem divertida procurar pelos sons das palavras e ver como eles se combinavam. Nasci numa época em que a escola não proporcionava muitas situações de vivência artística para as crianças (aulas de Artes em geral). Assim, todas as vezes que eu podia, e que a professora pedia para levar um poema, eu escrevia um eu mesma. Também escrevia outros para as pessoas da minha família, quando queria dar um presente para elas. Aos poucos, essa coceirinha foi se tornando um coceirão e vi que, se não tinha parado de escrever, talvez pudesse querer ser escritora! Gostava muito de ouvir as histórias da Coleção Disquinho (além das histórias lidas e contadas pela minha família), que eram histórias em versos e musicalmente ricas. Muitas tinham arranjos de Radamés Gnatalli, conhecido músico, compositor e maestro.

Carla -  Você viveu sua infância e adolescência no Rio de Janeiro. Como
escritora, o que acredita que trouxe na bagagem para Porto Alegre?

Gláucia - Trouxe na minha bagagem a minha infância, a minha adolescência e algo da minha juventude. Eu me graduei no Rio e também lá fiz mais outros estudos. Comecei a ser professora e a escrever. Mas o que mais me marcou, como acho que à maioria das pessoas, foi a infância.  Trouxe na minha bagagem de infância, os blocos de rua de Vila Isabel durante o carnaval. As caminhadas que dava por esse bairro com minha família. Os passeios que fazia de bicicleta pelas ruas do Grajaú, em cujas calçadas caíam tamarindos e tamarindos. As visitas à Biblioteca do bairro... As brincadeiras na vila em que morava: andar de patins, brincar de pique e tantas coisas mais. Também tenho lembrança de um Rio de Janeiro mais tranquilo, em que as pessoas deixavam as portas de suas casas abertas e se sentavam para conversar. Acho que todas essas imagens vêm sempre juntas às cantigas e às brincadeiras de rua que fazíamos na escola. De certa forma, essas lembranças sonoras são um pré-nascimento da poesia entre as crianças. Comigo também foi uma iniciação poética.

Carla -  Você publicou seu primeiro livro há uns 15 anos, certo? De lá pra
cá, como foi sua trajetória no mundo dos livros infantis?

Gláucia - Como a de todos os que trabalham com livro: trabalho, trabalho, trabalho. Escrita e reescrita. Leitura, troca de ideias... E os momentos mais especiais: os de conversar com os leitores (grandes e pequenos) e de ver se o que se trabalhou deu fruto. Ouvir as críticas e retornar para trabalhar mais um pouco! Organizar esse tempo para quem não é só escritora se torna um tanto difícil, mas possível, pelo menos até agora...

Carla -  Além de escritora, você participa de diversas atividades vinculadas
ao livro. Pode nos contar quais são elas?

Gláucia - Sim, como sou professora também, sempre procuro atuar na formação de leitores. Trabalho a quase vinte anos no Colégio de Aplicação da UFRGS, que tem como proposta, assim como toda a Universidade, não só o ensino , mas a pesquisa e extensão. Através da UFRGS, venho tendo a oportunidade de fazer várias parcerias, dentre elas a que temos já há anos com a Câmara Rio-Grandense do Livro. O curso “Tessituras: formação de mediadores de leitura”, por exemplo, já está na quarta edição, três das quais em parceria conosco. Também já estivemos em Arroio dos Ratos, a convite da Secretaria de Educação e Cultura, para a formação de um conselho de leitura. Fora isso, através da pesquisa, tive oportunidade de investigar sobre as possibilidades de proporcionar aos estudantes situações de leitura e de criação de poesia. Como autora, fico muito contente por poder participar de diferentes programas de leitura: Adote um Escritor,  Fome de Ler, Lendo pra Valer, LeiturAção, Conversando com o Autor, Caravana da Leitura etc. Tenho conhecido muitas escolas, com seus professores, funcionários, estudantes e familiares, todos envolvidos na tarefas de fomentar a leitura. Também tenho visitado feiras de livros, inclusive tendo a alegria de ser convidada a ser Patrona de duas: em Morro Reuter e em Arroio dos Ratos. Há também as comunidades escolares das EMEFs Pastor Frederico Schasse (em Morro Reuter) e Dr. Mário Sperb (em Dois Irmãos) que me homenagearam dando o meu nome a suas bibliotecas. Sempre que posso, vou a essas escolas, por ocasião das suas feiras literárias. Todos esses momentos de interação com os leitores são muito ricos e me alimentam, tanto como autora, quanto como professora.


Carla -  Gláucia, nos fale mais sobre seu envolvimento com o Traçando Histórias.

Gláucia - Essa é mais uma das parcerias que temos com a Câmara Rio-Grandense do Livro. Como a Traçando Histórias é um evento consagrado nacionalmente no meio da Ilustração, são vários os ilustradores que vêm a Porto Alegre para esse evento, que é bienal. Então, surgiu a ideia de, em parceria com a Câmara, proporcionar o encontro desses profissionais com mediadores de leitura (professores, bibliotecários, estudantes, interessados em geral). Assim, pensamos que esses mediadores de leitura, ao conhecer a prática e as reflexões dos ilustradores e seus processos de criação, podem fomentar com mais propriedade a leitura de imagem. Sabe-se que o livro endereçado à infância é cada vez mais um gênero híbrido, feito a, no mínimo, quatro mãos: as do escritor e as do ilustrador. Ambos são igualmente autores desses livros. Como quem ajuda na coordenação dessa Programação Paralela à Traçando Histórias, também eu, escritora, enriqueço minhas leituras e penso em como minha prática de escrita dialoga com a de criação de imagens dos meus colegas. Minha função na Programação Paralela é ajudar na organização do evento e na sua realização, tornando possível, assim, a parceria entre a instituição que represento (CAp UFRGS) e a Câmara Rio-Grandense do Livro.



Gláucia pergunta. Carla responde.


Gláucia -  Sabemos que a formação de um ilustrador não ocorre através de um curso específico, mas da busca pessoal de artistas com diferentes formações. Como você descobriu que queria ser ilustradora? Como foi sua formação enquanto ilustradora?

Carla - Sempre gostei de desenhar e, quando criança, fui uma leitora voraz de livros infantis. Não acho que um dia me descobri ilustradora, mas sim que um dia resolvi assumir esse caminho. 
Gostava de Artes Plásticas, mas achava que deveria fazer uma faculdade com mais mercado de trabalho. Acabei me formando em Publicidade e Propaganda e trabalhei por alguns anos como web designer, sempre levando a ilustração como uma atividade paralela. Quando assumi a gerência de projetos da empresa, passei a sentir muita falta de exercer meu lado criativo, e acabei optando pelo caminho arriscado que por tempos adiei: a ilustração como profissão.
O ano da virada foi 2006. Eu já havia cursado Especialização em Expressão Gráfica na PUCRS (aliás, meu trabalho de conclusão foi sobre ilustração de livros infantis), feito diversas aulas de desenho, algumas disciplinas no Instituto de Artes da UFRGS, estudo da figura humana... resolvi abrir uma empresa individual e por a mão na massa. Trabalhei bastante em projetos diversos, fiz muitos contatos, mas o primeiro livro infantil só foi confiado a mim quase um ano depois.
De lá para cá, as portas foram se abrindo. Continuei o aprendizado: um curso de ilustração de livros infantis na Central Saint Martins College of Art and Design, em Londres; aulas de aquarela com Renato Alarcão no período em que morei no Rio de Janeiro; sem falar na troca com colegas da Grafar, SIB e AEILIJ, que também foi fundamental.
Depois de ilustrar mais de vinte livros infantis e infantojuvenis, entre editoras de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, fico feliz em ter seguido meu coração. E pretendo continuar a formação, aprendendo sempre! Se minha paixão é trabalhar com ilustração, as novas técnicas, experiências e descobertas são o que mantém a chama acesa!

Gláucia -  Ao pegar um texto para ilustração, como ocorre o seu processo de composição das imagens do livro? Você costuma criar as ilustrações apenas, ou também os projetos gráficos?

Carla - Cada texto tem seu ritmo, sua personalidade, e na leitura eu já vou visualizando cores, formas, sutilezas... 
Como trabalho com alguns traços e técnicas diversos, sugiro alguns caminhos com base em meu portfólio e procuro sempre saber se existe alguma preferência da Editora ou mesmo do autor. Troco algumas ideias: vamos fazer o livro em aquarela? Vamos usar colagem?
Em alguns casos faço apenas as ilustrações, em outros o projeto gráfico completo. Gosto quando tenho liberdade de decidir se uma frase vai aqui ou na página seguinte, se uma área fica em branco... a distribuição do texto e das imagens nas páginas também é uma forma de narrativa. Se não tenho essa possibilidade, peço o boneco do livro e procuro pensar em ilustrações que aproveitem bem as áreas disponíveis.
Então mergulho na imaginação, faço esboços, pesquisas, me empolgo e me perco nas horas do dia... até chegar a um boneco com a aplicação de todos os esboços da ilustração. Os esboços aprovados vão para a mesa de luz servir de base para as ilustrações finais. Aí me empolgo e me perco nas horas de novo, manchando as unhas de cola e tinta...


Gláucia - Você tem belos trabalhos de ilustração no Caderno Donna, para a coluna de Martha Medeiros. Nas páginas dessa coluna, você tem de se expressar através de uma imagem (ou conjunto de imagens) em um curto espaço de tempo. Como é o seu processo de criação de ilustrações para as crônicas de Martha Medeiros. 



Carla- Trabalhar com jornal é um processo bem mais dinâmico! Recebo o texto com alguns dias de antecedência, mas tenho por volta de 24 horas para preparar a ilustração. Procurei criar um estilo para ilustrar as crônicas usando o traço das personagens, a técnica de aquarela e os “cordões literários”. Além de definirem uma identidade visual para as páginas, esses elementos servem para mim como guias iniciais.
Uma das características da página da Martha é a liberdade na diagramação. Então, sempre me informo se o anúncio da página vai ser horizontal ou vertical (o que altera a área disponível para o texto e ilustração), e procuro elaborar um esboço que aproveite a área de forma divertida ou inusitada. Troco ideias com a diagramadora; simulamos a aplicação da ilustração na página e muitas vezes fazemos ajustes para deixar mais harmônico. A partir do esboço ajustado, faço a ilustração final em caneta e aquarela, ajusto alguns detalhes por computador e pronto!


Gláucia - No seu ponto de vista, qual o papel da ilustração em um livro endereçado ou não à infância?

Carla - Nossa, poderia responder essa pergunta por diversos ângulos... vou escolher um só, tá bom?
Acredito que, assim como aprendemos a ler, também aprendemos a ver. Em um livro, tanto texto quanto ilustração, contribuem para o entendimento de um assunto, para levantar questionamentos ou atiçar a imaginação. Assim como a criança vai desenvolvendo a capacidade de leitura  e compreendendo textos cada vez mais complexos e abstratos, ela também desenvolve a capacidade de “ler imagens” em diversos níveis, desde bebê até a adolescência. Mas isso pode e deve ser estimulado. Uma criança que cresce cercada por bons livros, com ilustrações caprichadas e variadas, tem chances de se tornar um adulto mais criativo, com mais capacidade de abstração, que compreende um pouco melhor o mundo que o cerca e consegue saboreá-lo com seus olhos.


Gláucia - Você está desenvolvendo novos projetos para esse ano? Conte para nós um pouco sobre eles.

Carla - Após quase três meses sem desenhar em função de uma clavícula quebrada, estou cheia de trabalho e feliz da vida! Tenho em produção dois livros infantis: “Buuu, Bruxas”, que será o quarto livro que ilustro para a autora Lisete Johnson, e “As Aventuras dos Irmãos Miguel”, primeiro livro que ilustro para a Global. Para a Feira do Livro de Porto Alegre devo ilustrar também o segundo livro da Coleção Primeiras Aventuras, da Editora Cassol.
Se os ventos forem favoráveis, este ano se inicia também a produção da série de animação Bolota & Chumbrega, da qual sou co-autora e diretora de arte. Já produzimos um piloto do desenho animado em 2010, e recentemente ele foi selecionado pela Ancine para a produção de mais 12 episódios. Estamos esperando a liberação para iniciar uma correria boa, que deve envolver toda uma equipe de artistas e animadores por pelo menos um ano.


Além disso, planejo publicar o primeiro livro de tiras com meus personagens Pelica e Felpudo, do Filé de Gato. As tiras completam três anos em abril de 2013, e já foram publicadas na Zero Hora e revistas especializadas. Está na hora de virarem livro, com direito a material inédito e outros filezinhos. Só que, como todo projeto mais autoral, muitas vezes falta tempo para produzir... será que dá?













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