terça-feira, 30 de setembro de 2008

Vice-versa de outubro



No mês de outubro, o papo do Vice-versa é com a ilustradora e escritora Paula Mastroberti e o escritor/pretenso ilustrador Hermes Bernardi Jr.


Paula pergunta. Hermes responde.

Paula - Escritor, contador de histórias, coordenador regional da AELIJ... como é que aconteceu tudo isso?

Hermes - Quando criança, apesar de fazer boas "composições" na escola, não tive estímulo externo para aprofundar esse conhecimento.Escritor era um ser de outro planeta feito o Planeta Caiqueria, nascido com um gen especial. Mais tarde, estudando Edificações para em seguida cursar Arquitetura, deparei-me com o teatro na escola e passei a transcrever contos infantis para o gênero dramático. Um exercício preliminar do que estava por vir, creio eu. Em 1994 nasceu minha paixão por Porto Alegre. Para declarar essa paixão produzi uma prosa poética. Surgia o Abecedário alegre do porto, livro que me inseriu no mercado e acentuou o desejo de aprimorar a escrita ficcional. Já, o ofício de contador de histórias é o meu lado ator aliado ao desejo de comunicar. E a função de Coordenador da AEILIJ veio através de convite da escritora Gláucia de Souza, para substituí-la no cargo. Assumi a função sem saber ao certo minhas atribuições. Hoje me sinto mais atuante no coletivo da associação, haja vista o trabalho que ele vem construindo no Brasil em seus dez anos.

P - Quando eras criança, o que imaginavas ser quando crescesse? Qual era a tua história preferida?

H - Eu quis ser aviador, porque havia lido O pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry. Depois, arquiteto, pois mergulhava nas páginas de livros italianos de arquitetura nos quais meu avô se inspirava para construir casas. Em seguida, li As aventuras do avião vermelho, de Erico Veríssimo. Sendo de família humilde não pude comprar um avião vermelho de brinquedo, mas construí um em cima do cinamomo. Era verde de folhas e galhos. As aventuras do avião vermelho passou a ser o livro mais importante para mim. A partir de sua leitura eu sobrevoava mundos imaginários em cima do cinamomo. Hoje questiono esse texto, sem ignorar o efeito positivo que provocou em mim. No fundo, mesmo, tudo tem a ver com a vontade de criar asas.

P - Os livros teus que eu conheço sempre tem um apelo visual muito grande. Como é que é teu processo criativo? Ele vem de imagens visuais ou tu vais imaginando o texto como contador de histórias, pela oralidade?

H - Gosto de brincar com as palavras, com as frases. E, o computador, que há tempo foi um bloqueio, hoje é perfeito para essa brincadeira. Uso duas ferramentas básicas: recortar e colar, feito quebra cabeça, para chegar à melhor e mais divertida forma. Minha inspiração costumava nascer de uma imagem, uma cena de rua na escola que visito, no bairro onde moro. Ultimamente ando prestando atenção à fala das crianças. Elas dizem coisas incríveis! Anoto tudo. São frases simples e cheias de poesia, portanto, belas. Meu processo criativo começa no desejo de compactuar com essa simplicidade e essa poética. O próximo passo e, o mais divertido, é trabalhar a arquitetura do texto, criar espaços para o morador/leitor construir/viver a sua história.

P - Me fala de um Hermes ilustrador que parece querer vir à tona: parece que tu andas sentindo necessidade de ilustrar - e, portanto, de narrar visualmente tuas histórias... Por que?

H - O motivo? Não sei, Paula. O que sei é que as palavras vêm acompanhadas de uma estética, de um repertório de imagens possíveis. É incontrolável. Imagino que se deva ao fato de eu ter editado meus primeiros títulos. No caso do livro E um rinoceronte dobrado, não imaginei nada. Mesmo por que a Annete Baldi, da Editora Projeto, me surpreendeu ao escolher editar esse texto. Ocorre que, há cinco anos escrevi Titica de galinha. Senti o impulso pueril de ilustrá-lo, talvez para reeducar o olhar de meu mundo tão adulto e cheio de racionalidades. Fui estudar no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre. E lá estou, há quatro anos, experimentando materiais, cores, técnicas. Não tenho pressa. Não quero ceder a esse tempo que exige produção, produção, produção. O conflito atual é que, após cinco anos, estou refazendo o texto em busca do ponto de contato entre o texto literário e o imagético. Essa etapa é a que mais me interessa. A conexão das coisas e, de preferência, em silêncio.

P - Pra onde tu achas que estás caminhando como artista, como autor? Que tipo de histórias ainda gostarias de escrever, que não escreveste?

H - Como artista, sou um curioso compulsivo. Gosto de me misturar ao teatro, à música e, recentemente, às artes plásticas. Diálogos possíveis da Literatura com tais áreas move minha curiosidade. Como escritor, já corri para atender ao mercado, mas agora prefiro não me atropelar. Gosto de experimentar linguagens, como fiz no livro Casa Botão publicado pela DCL. Evito a angústia característica de publicar um livro por ano. No teatro havia esse movimento das Cias. de teatro e eu me incomodava com tal urgência, que não permitia o experimento, a investigação. Não quero o imediatismo consumindo possibilidades. Titica de galinha levou cinco anos para ficar pronto. Não será um best-seller, eu sei, mas terei muito a contar sobre o processo. Meu interesse – minha parte contador de histórias - necessita comunicar a história ao redor da história publicada, sobretudo porque nisso sempre há outra beleza escondida.
Quanto ao que eu gostaria de escrever no futuro... Um juvenil? Quem sabe...

Hermes pergunta. Paula Responde.

Hermes - Quando menina, qual a tua relação com a literatura infantil e juvenill? Havia um autor ou gênero, preferidos?

Paula - Minha relação era ótima, Hermes. Eu gostava sobretudo de fantasia, aventura e mistério. Na fantasia, contos de fadas, os de Andersen em especial. Aventuras: Alexandre Dumas, Julio Verne, narrativas mitológicas, sagas medievais, histórias de piratas e tipo capa-e-espada, como Robin Hood. Mistério, desde os policiais de Agatha Christie, até os contos de Edgar Alan Poe. Lia pouca literatura brasileira, mas acho que li o que havia de melhor na minha época: Monteiro Lobato, eu adorava!

H - A maioria de tuas criações são recontos de clássicos. Por que essa escolha?

P - Por que são clássicos, porque os amo, e porque às vezes tenho a impressão de que ninguém mais quer saber deles - não é uma pena? Pouca gente sabe dos textos de Perrault ou dos Grimm, ou de Andersen. A maioria só conhece contos de fadas através do cinema, de releituras como Shrek, ou Deu a Louca na Chapeuzinho. A mesma coisa Dom Quixote, Fausto, Hamlet, Odisséia. Tudo mundo conhece, ou diz que conhece, mas ninguém leu. É só dos resumos de vestibular ou de adaptações... Agora, eu não os recrio só para tentar levar o leitor até as origens, mas também para dialogar com essas narrativas, que são maravilhosas (nos dois sentidos do termo). Gosto de dizer que sou uma escritora que é, antes de tudo, leitora.


H - Além da palavra, tu te utilizas da imagem com elemento da narração. A educação e sensibilização do olhar foi desde sempre, ou essa inclinação teve um momento determinante?

P - Sou artista plástica de primeira formação. A literatura entrou depois. Isso profissionalmente. Porém, desde criança eu contava histórias para mim mesma desenhando num quadro com giz, como se fizesse um filme. Sempre gostei de histórias em quadrinhos (super-heróis, principalmente). Sempre escrevi pensando em imagens (ou vice-versa?). Se eu pudesse faria filmes, faria peças teatrais, desenhos animados. Por outro lado, adoro letras impressas... A verdade é que eu adoro livros, livros como um todo, com texto, desenho, papel, etc. Sou fissurada por esse objeto totalmente anti-ecológico e, reconheço, carésimo.

H - Num primeiro contato com tuas ilustrações na obra publicada, tem-se a impressão de que teu trabalho é todo realizado com as ferramentas da tecnologia. Quando e onde teu traço manual se faz presente no processo de criação das imagens?

P - Sempre. Até quando eu uso tecnologia, rsrsrsrs... Não tem como usar uma ferramenta digital sem ter domínio do trabalho artesanal. Não é a ferramenta que cria, é a gente, a nossa mão, que por sua vez segue o comando da cabeça. Eu desenho usando um tablet, que é uma prancha de desenho eletrônica, com caneta-mouse. Simulo lápis, bico-de-pena, tintas... pra fazer essa simulação, tem que conhecer o efeito da técnica na realidade. Mas não é sempre que eu faço isso: às vezes, volto pro velho papel e grafite. Gosto muito de desenhar com esferográficas também. Eu coleciono esferográficas!!!
Meu próximo livro - só pra contrariar - está sendo feito todo em papel de verdade, em aquarelas bem meticulosas... Tava com saudade de fazer umas aquarelas, sentadinha numa mesa, com pincel na mão...

H - Tuas publicações são dirigidas ao público juvenil. É um impulso espontâneo escrever para este público?

P - Eu nunca penso na idade do meu público. Eu penso é em mim e nos meus personagens, no que eu quero deles. Não escrevo para uma criança interior, nem para um adolescente imaginário. Até porque já nem sei mais como são. Minha filha, por exemplo: ela é bem diferente de mim, tem outros gostos para histórias... Se eu fosse pensar no que os leitores gostariam de ler, estava ferrada. Prefiro pensar no que eu gostaria de dizer e no como... quem quiser que leia. Conheço leitores meus na faixa dos quarenta anos. Conheço mães que compraram Cinderela - Uma biografia autorizada para os filhos e depois completaram a coleção para elas mesmas. Conheço uma menina de 9 anos que leu Angústia de Fausto - e não tirou da cabeceira, leu e releu! E esse é um título considerado juvenil-adulto...
Vai saber quem é o teu leitor! Gosto da imagem de escrever como quem lança mensagens em garrafas mar além... Quem será que vai encontrar a garrafa?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Debates de LIJ

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Quem não puder estar presente na BN pode assistir em tempo real pelo site do Instituto Embratel.
Basta entrar no site às 16h, clicar em TVPontocom e assistir.

sábado, 20 de setembro de 2008

Associado é autor homenageado

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Associado ministra oficina de HQ

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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Casa das Américas 2009

A Casa das Américas convoca para o ano 2009 à XLVIII edição do seu Prêmio Literário. Nesta ocasião poderão concorrer autores do Brasil com livros publicados em português nos anos 2007 e 2008 (primeira edição), nos gêneros de ficção. Os autores brasileiros que concorram este ano deverão reger-se pelas seguintes:

BASES
1. Poderão ser enviados livros nos gêneros de romance, conto e poesia, escritos em português, publicados nessa língua, em primeira edição, durante os dois últimos anos (2007-2008).
2. Poderão participar autores brasileiros, naturais ou naturalizados.
3. Os autores deverão enviar um exemplar do livro concursante. Não poderão enviar mais de um livro por gênero, nem participar em um gênero no qual tenham obtido o Prêmio Casa das Américas depois de 2000.
4. Se outorgará um prêmio único e indivisível, que consistirá em 3000 dólares ou seu equivalente na moeda nacional, e a publicação da obra pela Casa das Américas, se não estiver comprometida com outra editora de língua espanhola. Serão concedidas menções se o jurado as considerar necessárias, sem que isso implique recompensa ou comprometimento editorial por parte da Casa das Américas.
5. A Casa das Américas se reserva o direito de publicação daquela que será considerada a primeira edição em espanhol da obra premiada, até um máximo de 10 000 exemplares, ainda que se trate de uma co-edição. Tal direito compreende não apenas evidentes aspectos econômicos, mas também todas as características gráficas e outros aspectos da mencionada primeira edição.
6. As obras deverão ser enviadas à Casa das Américas (3ra. y G, El Vedado, La Habana 10400, Cuba), ou a qualquer das Embaixadas de Cuba, até 31 de outubro de 2008.
7. Os jurados se reunirão em Havana em fevereiro de 2009.
8. A Casa das Américas não devolverá os originais concursantes. A Casa das Américas anuncia, uma vez mais, a convocatória para seus prêmios de caráter honorífico. Os referidos prêmios (José Lezama Lima, de poesia; José María Arguedas, de narrativa; e Ezequiel Martínez Estrada, de ensaio) serão outorgados a uma obra relevante nos referidos gêneros, publicada em espanhol, por um autor de nossa América, nos anos 2007 e 2008. As obras concursantes, em lugar de serem enviadas pelos autores, serão indicadas por um Comitê de nomeação criado para essa finalidade.

Mais informações pelo e-mail: cil@casa.cult.cu

ou neste link: http://www.casadelasamericas.com/premios/literario/liminar.php?pagina=liminar

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Vice-versa de setembro


Uma boa idéia que compartilhamos do blogue da AEI-LIJ São Paulo, o vice-versa gaúcho entra no ar com dois escritores bacanas e muito experientes: Caio Riter e Gláucia de Souza.

Nosso agradecimento à Regina Sormani que plantou a semente no blogue da AEI-LIJ paulista!

Caio pergunta, Gláucia responde:

Caio Riter - O que significa, para você, escrever para crianças? Acredita ser diferente de escrever “para gente grande”?
Gláucia de Souza - Creio que não há uma escrita PARA crianças. A questão está no direcionamento que é dado ao livro. Creio que o que existe é LITERATURA. E essa literatura pode ser direcionada à infância através do cuidado com a produção do livro, das ilustrações, dos projetos gráficos (ainda nesse aspecto, penso que não deveríamos ter o privilégio de livros ilustrados apenas para crianças). No meu caso, não penso que haja diferenças entre escrever para crianças a para adultos. Há a tentativa de eu escrever literatura. Principalmente em relação à escrita de poemas, essa separação torna-se bem mais difícil. Poema é poema. Não há poema PARA a infância. Para ser poema tem de possuir linguagem poética, ritmo, sonoridades que podem ser representadas ou não pelas rimas ou pelas repetições sonoras (aliterações, assonâncias etc). Para ser poema é necessário que a linguagem esteja em seu sentido figurado e as imagens tenham múltiplas significações. No caso da prosa, os textos ditos “para infância” trazem os mesmos recursos de um texto narrativo escrito para adultos: escolha de ponto de vista (narrador), de tempo, de espaço, de personagens. Tudo isso requer uma pesquisa séria, como a feita em literatura que se costuma chamar “adulta”.
Em relação à produção do meu trabalho, gostaria de citar o caso do Bestiário, por exemplo. Para escrever os poemas do Bestiário, levei dois anos à procura de informações sobre Bestiários, animais retratados neles, significações simbólicas possíveis desses animais etc. Por se tratar de um tipo de livro em que a imagem caminha junto com o texto, a pesquisa se estendeu pelos estudo que a Cristina Biazetto fez de imagens de diferentes bestiários e dos contextos em que foram produzidas, como a Idade Média, por exemplo. No caso das Cantigas de ninar vento, também foram desenvolvidos estudos, nesse caso, em relação às cantigas medievais e às cantigas de nossa tradição oral.
A meu ver, não dá para dizer que as Cantigas de ninar vento e o Bestiário são livros de Literatura Infantil ou Juvenil. Tentei que fossem livros de Literatura. Assim, eles podem ser lidos/ouvidos por todas as idades.


CR - Um dos elementos que se destaca na literatura feita para crianças é o seu caráter formativo. Este, no entanto, muitas vezes é confundido com “ensinamento” explícito, formal e moralizante. Pergunto: quais temas atraem a escritora Gláucia e a fazem verter histórias para crianças? Que recursos você utiliza a fim de não cair na armadilha de expor moralidades em suas histórias?
GS - Creio que a única forma de fugir do ensinamento explícito formal é dar ao texto um tratamento literário. Os textos literários são abertos para as inferências do leitor. Ele deve ser aberto. Só assim, o leitor pode depositar nele suas experiências de vida e de leitura, suas expectativas. Assim, os assuntos que me interessam são os assuntos que posso tentar transformar em literatura. E tudo pode ser transformado em literatura. O cotidiano também pode ser literatura. É por isso que ando sempre com diferentes pequenos cadernos onde anoto cenas, sons, situações, flashes de pensamentos, pedaços de palavras, frases etc. Depois vou organizando o que escrevo nos cadernos e “classificando” de acordo com os textos que estou escrevendo (que nunca são um único original, mas uma coleção de textos arrastados por anos e anos).
Por exemplo, uma situação de criação de que me lembro aconteceu na Tecelina. Certa vez, morava ainda no Rio de Janeiro e, andando de ônibus 438, por perto do Sambódromo, vi uma feira livre que, como todas, explodia em cores de legumes, verduras e tudo o mais. No final da feira, havia uma mulher muito velha, sentada num degrau de uma loja fechada. Ela estava rodeada de pequenas peças de crochê. Todo mundo passava por ela e não a via. Registrei a cena. A idéia de isolamento não foi o que me chamou a atenção naquela cena, mas a idéia de ela ter coragem de estar ali, no lugar “errado”, com uma produção tão diferente, ainda que colorida. Essa cena eu usei de certa forma no texto da Tecelina, quando ela se dispõe a vender chapéus numa pizzaria.
Outro exemplo de cena do cotidiano, que retratei no livro Catirina e a piscina, foi a da mulher que teve muitos filhos e morreu de parto e fome. Via muito esse tipo de situação quando trabalhei com crianças de uma favela no Rio de Janeiro, nos anos 80. Muito do que conta a Catirina são flashes de situações que registrei a partir da experiência com essas crianças. Vamos para a última parte da pergunta então. Que recurso utilizo para tentar escapar às armadilhas de expor moralidades nas minhas histórias... É só um recurso, mas que me dá uma trabalheira danada... Eu venho tentando dar um tratamento literário aos meus textos, pois, quando um escritor trabalha seu texto literariamente, a possibilidade de ele ter essas moralidades explícitas reduz!


CR - Num marte pequenininho” é uma bela fábula sobre a necessidade de viver-se em sintonia com o outro. Neste seu texto, há belas metáforas, tais como, o planeta, as raízes, as árvores. Poderia contar como se deu o processo de criação deste texto?
GS - Num marte pequeninho começou e ser gerado na década de 80. Escrevi um pequeno texto em que dois marcianos não se conheciam e, depois, acabavam se encontrando. Era todo rimado, muito “certinho” e não me convencia muito. Escrevi essa história, pois, no Catirina e a piscina (primeiro texto que efetivamente escrevi), a Luzia, irmã da Catirina, conta várias histórias para distrair as crianças. Uma delas era a de dois marcianos. O texto ficou guardado, até que mostrei para um amigo, que o leu e disse: “Isso falta conflito! É tudo rápido demais! Eles nem sofrem para se encontrar!’. Na mesma hora pensei que o único jeito de eles “sofrerem” para se encontrarem num planeta tão pequeno era eles estarem presos, amarrados por raízes. Aí reformulei o texto todo e o enviei para a Editora DCL.

CR - Você, além de contadora de histórias, também é poeta. No que difere o processo de criação de um poema do de uma história?
GS - É profundamente difícil, para mim, escrever narrativas. Talvez seja por isso que eu procure escrever tentando me colocar no lugar do outro (os outros que eu vejo no cotidiano). Já um poema tem de trazer sonoridades, ritmo, musicalidades, aliadas a sensações corporais, sons, movimentos... Cada vez me convenço de que os poemas devem ser sensoriais, corporais. Para fazer um poema, também é necessário ser “fingidor”, como diz Fernando Pessoa. Parafraseando Fernando Pessoa, o poeta é um fingidor que tenta representar o sentimento universal, mas, para isso tem de resgatar a “dor que deveras sente”. Acho que é menos difícil fazer isso nos poemas, pois, podemos mesclar esse “fingimento” com o trabalho com os sons das palavras... Lidar com o poema para mim é muito mais fácil porque, quando escrevo, só consigo ouvir sons. Quase nunca formo imagens. Talvez por isso precise registrar cenas do cotidiano por escrito para compor histórias.

CR - Percebe-se que muitos de seus livros foram ilustrados pela Cristina Biazetto. Na sua opinião, qual a relação que deve se estabelecer entre escritor e ilustrador?
GS - No meu caso, o ilustrador é aquele leitor que me ajuda e enxergar visualmente as personagens que eu invento. Não consigo imaginar rostos, cenários, porque sempre acabo escrevendo com os ouvidos (acho que os meus ouvidos nasceram bem maiores do que os olhos). Os livros ilustrados pela Cristina Biazetto foram textos em que a produção da imagem começou a ser feita antes de os originais serem contratados por uma editora. Assim, ficou mais fácil para eu entender o texto que escrevi, para o mudar etc. No caso do Bestiário e das Cantigas, eles foram para de projetos em que o texto, as imagens e as melodias (no caso das Cantigas), foram se compondo, e eu pude acompanhar o nascimento delas. Acho que o vínculo entre escritor e ilustrador deve ser uma relação de parceria, não necessariamente de criação conjunta, mas de troca de linguagens. Isso vai enriquecer, com certeza, o trabalho de ambos: escritor e ilustrador. O livro destinado à infância é cada vez mais um híbrido em que a palavra e a imagem interagem. Nada mais natural que os profissionais da palavra e os da imagem possam trabalhar juntos na composição de um livro, criando e/ou dialogando sobre sua criação.

Gláucia pergunta, Caio responde:

GS - Como é o seu processo de criação de um original?
CR - Sempre minhas histórias nascem a partir de um tema que me sinto convidado a pensar, a escrever. É em torno deste assunto que nascem os personagens, as ações, os diálogos. Quando é novela mais longa (as juvenis), procuro elaborar um esquema orientador, a fim de otimizar meu pouco tempo para a escrita. Costumo, também, contar a história pra mim mesmo, inventar cenas, tendo sempre o olhar atento ao que ocorre à minha volta, pois tudo pode ser inspirador. Outro dado importante, anterior à escrita propriamente dita, é estabelecer um norte, um ponto de chegada, a cena final. Tendo claro para mim o destino do protagonista, tudo se torna mais simples e a escrita, então, passa a se tornar necessidade.

GS - Você iniciou sua carreira como escritor através da publicação de livros endereçados a jovens leitores. Conte como foi o seu processo de iniciação de escrita de livros endereçados a crianças mais novas.
CR - Na verdade, eu não tinha a intenção inicial de escrever para crianças. Foi tudo meio ao acaso. A Laine, minha mulher, vivia me incentivando a isto, dizia que eu levava jeito para escrever para crianças. Mas eu relutava. Pois bem, quando ela engravidou de nossa primeira filha, a Helena, desejei dar-lhe um presente bacana, diferente, inusitado, único. Aí me veio à mente seus pedidos. Então, escrevi, sem que ela soubesse, um livro infantil: O fruto verde.. Desenhei-o e montei-o artesanalmente. Queria que fosse presente único.
Após entregar-lhe o livro, peguei gosto por este universo de fantasia que é a literatura infantil e passei a escrever outros textos, e a montá-los também, sem jamais me passar pela cabeça a hipótese de ser autor. Pensava: quando minhas filhas crescerem, terão os livros dos escritores para ler, e também os que o pai fez. Essa era a minha intenção.
Mas (...as histórias sempre têm um mas...) uma amiga me apresentou para a Sandra Telló, uma professora que estava criando uma editora (Interpretavida), e ela gostou de meus textos. Assim, em 1994, meu primeiro livro foi publicado: Um palito diferente. E, aos poucos, a coisa foi acontecendo, novos livros nascendo e alguns sendo publicados. Mas aquele primeiro. Bom, aquele permanece único, como desejei que fosse.


GS - O ser leitor interveio na sua relação com a escrita de livros?
CR - Com certeza. Acredito que inexistam escritores que não tenham sido leitores antes de nascer o desejo da escrita. Mergulhar no fantástico universo da leitura, com certeza, me formou no ser que sou hoje. Vivi uma infância com poucos livros em casa, mas lia muito gibi, pulp fiction e fotonovelas. Era o que entrava em casa. Porém, já adolescente descobri o mundo mágico das bibliotecas públicas e tudo o que elas tinham a me oferecer em histórias. Daí, foi paixão eterna. Nunca mais consegui me apartar dos livros.

GS - Escolha três de seus títulos, fale sobre eles e sobre os motivos que o levaram a citá-los.
CR - Escolher três? Bah, a escolha de Sofia. Mas vamos tentar:
1. O rapaz que não era de Liverpool, (Edições SM) por ser um divisor de águas em minha carreira literária, visto que, com sua publicação e com o prêmio que recebi, acabei ficando conhecido fora do RS e atravessando as fronteiras do Mampituba. Este livro venceu vários prêmios e tem recebido bons comentários da crítica especializada. Mas, sobretudo, tem agradado a muitos leitores.

2. Atrás da porta azul (WS Editor). Livro que foge um pouquinho do meu jeito de escrever, é uma aventura meio fantástica, em que homenageio um dos livros de que mais gosto: Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol.

3. Eduarda na barriga do Dragão (Artes e Ofícios). Texto infantil, narra a história de uma menina cheia de medos que encontra a libertação na palavra poética. A ilustração da Elma (para mim, uma das melhores ilustradoras, ilustrou também o meu O Fusquinha cor-de-rosa – ed.Paulinas) é extremamente criativa e contribui com a beleza da edição.


GS - Como foi o processo de criação de O rapaz que não era de Liverpol? Houve uma pesquisa sobre o tema Beatles ou sua opção recaiu sobre um repertório de gosto pessoal?
CR - O rapaz que não era de Liverpool nasceu de uma situação que minha esposa ouviu na escola em que atuava. Um garoto, adotado, teria dito a seus pais que eles não tinham o direito de mudar a história dele ao adotá-lo. Lembro que disse para minha mulher: Bah, mas isso é frase de livro. Assim, a partir desta cena – aliás, a primeira que escrevi para o livro – fui criando a história de um garoto que, numa aula de biologia, ao estudar as leis de Mendel, descobre (ou confirma) suas suspeitas de que fora adotado. Eu sabia que não queria escrever uma história de alguém à procura de suas origens. Não. Queria centrar no conflito de, de repente, alguém se descobrir não parte de algo do qual sempre acreditou participar. Daí, veio o título: O rapaz que não era de Liverpool. Então, fui armando a rede de conflitos que iria cercar o Marcelo: a paixão pelos Beatles, a separação dos pais, o amor por DJ, a descoberta da adoção, o exílio na casa da dinda. Fui pesquisar biologia e a trajetória dos Rapazes de Liverpool. Comprei seus cds e escrevi, ouvindo-os. O legal é que a maioria das pessoas estranha eu não ser um fã incondicional dos Beatles. Gosto disso. Significa que o livro convence direitinho.